sábado, 22 de novembro de 2014

ARLEQUIM, SERVIDOR DE DOIS PATRÕES - Trecho

ARLEQUIM, SERVIDOR DE DOIS PATRÕES

De Carlo Goldoni
Adaptação: André da Silva Barros

PANTALEÃO: Neste momento, eu declaro, como pai da noiva, que vocês dois tem a minha permissão para se casar.
CLARICE: Estou tão feliz, Silvio!
SILVIO: E eu também, Clarice! (se abraçam.)
PANTALEÃO: Sorte de vocês que Federico Rasponi morreu, pois minha filha já estava prometida a ele.
DOTTORE: Meu filho é um homem de muita sorte. Clarice já ia casar com Federico, mas ainda bem que ele morreu.
BRIGHELLA: Quem viu ele estrebuchado no chão foi a irmã dele. Aquela que só se veste como homem. Pra falar a verdade, ningué sabe se foi ele ou ela que morreu.
ARLEQUIM: (alguém bate na porta. Entra) Eu sou Arlequim. Criado de Federico Rasponi. Ele está esperando a resposta do pedido de casamento de sua filha.
TODOS: O quê?
ARLEQUIM: Está todo mundo surdo aqui! Eu sou criado de Federico Rasponi!
PANTALEÃO: Federico Rasponi está morto!
ARLEQUIM: Ele morreu? Mas eu acabei de deixar ele lá embaixo. Oh, patrãozinho!
DOTTORE: Ele está morto, falecido, defunto, bateu as botas!
ARLEQUIM: Por certo, deve ter caído uma pedra na cabeça dele. Eu vou lá ver! (sai)
SILVIO: Esse mundo está cheio de doidos!
SMERALDINA: (assanhada) Que bom! Eu sou tão chegada num doidão!
CLARICE: Se ele estiver vivo, eu prefiro a morte a me casar com ele.
SILVIO: Ninguém vai te tirar de mim.
ARLEQUIM: (entrando) Quem falou aqui que meu patrão morreu, está enganado.
PANTALEÃO: E não está?
ARLEQUIM: Ele está vivo, saudável, folgoso e ansioso para cumprimentar seu futuro sogro.
PANTALEÃO: Deixo ou não deixo entrar?
TODOS: Deixa!
BRIGHELLA: Senhor Pantaleão! Eu conheço muito bem Federico. (Beatrice entra)
BEATRICE: (entrando) Eu estou a meia hora esperando lá embaixo sem poder entrar.
ARLEQUIM: Senhoras e senhores! Apresento Federico Rasponi!
SILVIO e CLARICE: Estamos perdidos!
BEATRICE: Senhor Pantaleão! Quem é a jovem que me está prometida?
PANTALEÃO: É Clarice!
BEATRICE: Deixe-me cumprimentá-la! (Clarice vira-lhe as costas) Senhor Pantaleão, quem é esse rapaz perto de minha amada?
SILVIO:  Eu sou o noivo de Clarice.
PANTALEÃO: Como eu pensava que o senhor estava morto, eu dei a mão de minha filha a outro. 
BEATRICE: Pois trate de devolvê-la! A mim já estava prometida primeiro.
SILVIO: Voce vai tirá-la de mim só por cima do meu cadáver. (Puxa a espada e sai.)
CLARICE: Silvio! Volte aqui! (Sai. Pantaleão vai atrás dela.)
BEATRICE: Oh, Brighella! Você viu meu amado Florindo? Ele matou meu irmão e veio para cá. Eu preciso encontrá-lo.
BRIGHELLA: Não vi. Mas se encontrar, eu te aviso. (os dois saem. Entra Florindo e um criado com uma mala.)
CRIADO: Ai que não aguento mais.
FLORINDO: Já estamos chegando à hospedaria.
CRIADO: Mas está muito pesada. (Arlequm entra e o ajuda. Volta)
FLORINDO: Você tem patrão?
ARLEQUIM: Na verdade… não!
FLORINDO: Gostaria de trabalhar para mim?
FLORINDO: Tudo bem. Vou te dar dez tostões. (Dá uma moeda para ele) Em primeiro lugar, vá até o correio ver se chegou alguma carta para Florindo. (Ele sai. Beatrice entra)
BEATRICE: Arlequim? Vá até o correio e veja se chegou carta para Federico e Beatrice Rasponi. (entrega-lhe uma moeda. Sai)
ARLEQUIM: Hum…! Essa idéia é muito boa: trabalhar para dois patrões. E por que não? Só um não ficar sabendo de outro! (Silvio entra)
SILVIO: Arlequim! Onde está teu patrão? Eu quero acertar minhas contas com ele. 
ARLEQUIM: Espere um pouco. (Arlequim sai e volta com Florindo)
FLORINDO: (entrando com Arlequim) Quem está me chamando?
ARLEQUIM: Ele! (sai para pegar as cartas)
FLORINDO: Então é você que quer acertar as contas comigo?
SILVIO: Perdoe, mas eu não o conheço, senhor!
FLORINDO: Meu criado disse que você estava me chamando.
SILVIO: Não, quem eu chamava era Federico Rasponi! Ele quer roubar a mão de minha noiva.
FLORINDO: Pois pode ficar sossegado. Federico está morto!
SILVIO: Descobriram que ele está vivo! E está aqui em Veneza. Bom, foi um prazer conhecer o senhor! (sai)
ARLEQUIM: (entrando) Peguei a carta do senhor e para um amigo. O problema é que misturei as cartas.
FLORINDO: Deixe-me ver. Essa carta é para Beatrice. Eu conheço Beatrice muito bem. “Minha amiga Beatrice… Sei que você saiu da cidade disfarçada de homem para procurar seu amado Florindo…” Ela ainda me ama! E ela veio atrás de mim. Ache a dona dessa carta e traga ela aqui. Oh, Beatrice! (sai)
BEATRICE: (entrando) Tinha carta pra mim?
BEATRICE: Mas essa carta foi aberta. Me explique isso.
ARLEQUIM: É que lá no correio tinha uma carta para mim também. E como eu leio muito pouco, eu abri a sua carta pensando que era minha.
BEATRICE: Dessa vez passa! (sai)
PANTALEÃO:  Amigo, seu patrão está em casa?
ARLEQUIM: Acabou de sair.
PANTALEÃO: Eu não posso esperar. Entregue cem pratas a ele. (sai)
ARLEQUIM: Não. Mas um homem veio aqui e me deu cem pratas.
FLORINDO: E o que ele disse?
ARLEQUIM: Entrega para o teu patrão.
FLORINDO: Obrigado! (sai)
CLARICE: (Entrando com Beatrice.) Eu já falei que não quero me casar com o senhor.
BEATRICE: Eu preciso te contar um segredo. Eu não sou homem. Eu sou mulher.
CLARICE: Mulher? Como?
BEATRICE: Eu não sou Federico. Eu sou Beatrice. Vim aqui procurar meu amado Florindo.
CLARICE: Ai, estou tão feliz! (Se abraçam. Pantaleão entra.)
PANTALEÃO: Vejo que já se entenderam. Vamos marcar o casamento. Hoje mesmo eu dou a notícia a Silvio. 
SILVIO: (entrando) Pantaleão, eu preciso falar com o senhor. O senhor vai me dar a mão de sua filha?
PANTALEÃO: Ela já é de Federico Rasponi! (Silvio saca da espada. Beatrice entra para defendê-lo. Pantaleão sai. Os dois duelam. Silvio perde.)
CLARICE: Meu amor! Você está bem?
SILVIO: Saia daqui, traidora!
CLARICE: Eu não sou traidora. Eu te amo!
SILVIO: E por que jurou casar com ele?
CLARICE: Desculpe… mas não posso te contar.
SILVIO: Então, suma daqui. Nunca mais quero te ver.
ARLEQUIM: Dois patrões e nenhum almoço.
FLORINDO: Encontrou o Pascoal?
ARLEQUIM: Não encontrei. Mas estou morrendo de fome.
FLORINDO: Pegue essa bolsa e pode almoçar. (sai. Entra Beatrice) ]
BEATRICE: Arlequim! Por acaso o senhor Pantaleão te deixou uma bolsa com cem pratas?
ARLEQUIM: Está aqui! (entrega a bolsa)
BEATRICE: Diga ao Brighella que vou trazer um amigo para almoçar! (Senta numa ponta do palco)
FLORINDO: (entrando) Arlequim. Estou com fome!
ARLEQUIM: (para o público) E se eu servisse dois patrões ao mesmo tempo? (a Florindo) Senhor Florindo! Sente-se aqui que já vou servi-lo. (Senta-se na outra ponta do palco.)
ARLEQUIM: Senhor Brighella, pode trazer os pratos. (Brigella traz os pratos e Arlequim serve os dois amos.)
ARLEQUIM: Servi dois patrões ao mesmo tempo. Um sem saber do outro e o outro sem saber do um.
SMERALDINA: (entrando) Minha patroinha Clarice está apaixonada por um e entrega bilhetinhos a outro. Arlequim, entregue esse bilhete ao teu patrão!
ARLEQUIM: E eu não ganho nenhuma bitoquinha?
SMERALDINA: Primeiro, tem que falar com minha patroa. Pegue a carta. 
ARLEQUIM: Será que não é bom abrir? Vai saber o que está escrito. (Abrem a carta. Fica uma discussãozinha de quem vai ler, já que ambos são analfabetos. Beatrice entra)
BEATRICE: Não acredito! De quem é essa carta?
ARLEQUIM: Do senhor!
BEATRICE: E está aberta? Duas cartas no mesmo dia.
PANTALEÃO: E quem foi que abriu?
ARLEQUIM e SMERALDINA: Foi ele/ela!
PANTALEÃO: Vocês merecem umas bofetadas. (Arlequim e Smeraldina saem brincando de bater em Pantaleão)
BEATRICE: Clarice pede minha ajuda com Silvio. (Arlequim volta e apanha de Clarice. Sai)
ARLEQUIM: Carregadores! Me ajudem a trazer o baú do meu patrão. (Arlequim, Brighella e dois criados trazem os dois baús) O que será que tem aqui? (Abre os baús, bagunça, descobre roupas femininas no baú de Beatrice, escuta a voz de Florindo e guarda tudo misturado.).
FLORINDO: O que você está fazendo aqui?
ARLEQUIM: Eu vou dobrar a roupa.
FLORINDO: E de quem é esse outro baú?
ARLEQUIM: De um forasteiro que chegou aqui.
FLORINDO: Dê o meu casaco preto. (Ele veste e encontra sua foto no bolso do casaco) O que o retrato que eu dei a Beatrice está fazendo aqui?
ARLEQUIM: Eu ganhei de um criado. Seu patrão morreu e ele me deu algumas coisas.
FLORINDO: E como era esse patrão?
ARLEQUIM: Parece que vivia disfarçado.
FLORINDO: Não! Beatrice! Você não pode ter morrido! (Florindo sai chorando)
BEATRICE: (Beatrice entra.) Quem mandou você trazer o meu baú para cá?
ARLEQUIM: Ele está tomando um pouco de ar.
BEATRICE: Pegue o meu livro de anotações. (Arlequim lhe dá um livro) Ai, esse livro é do meu amado Florindo. Como isso apareceu aqui?
ARLEQUIM: É meu. Ganhei do criado de um patrão que morreu.
BEATRICE: Morreu? Meu amado morreu. O que vou fazer sem ele? Ele era o homem da minha vida. Minha vida acabou. (Sai. Pantaleão entra, fica boquiaberto e vai atrás.)
ARLEQUIM: Eu não sou servidor de dois patrões? Mas de um patrão e de uma patroa. (Sai)
PANTALEÃO: (Entra com Silvio) Senhor Silvio! O casamento de Clarice e Federico foi por água abaixo. Se o senhor quiser, ela será sua!
SILVIO: O que aconteceu?
PANTALEÃO: Federico era só Beatrice vestida de homem. Vamos contar para minha filha. Ela ainda não sabe. (Saem. Entra Beatrice e Florindo de costas um para o outro segurando punhais. Viram-se e se abraçam.)
FLORINDO e BEATRICE: Você está vivo/viva!
FLORINDO: E por que achava que eu estivesse morto?
BEATRICE: Meu criado me deu a notícia!
FLORINDO: Meu criado também deu a mesma notícia. Bighella! Brighella! Me traga o meu criado. (Brighella e um criado trazem Arlequim pelo braço.) Que história é essa de que o patrão de seu amigo estava morto?
ARLEQUIM: Foi o criado dela que me disse.
BEATRICE: Arlequim! Venha cá! Conte essa história direito de que Florindo morreu.
ARLEQUIM: Quem me falou foi o criado dele!
FLORINDO: Os nossos criados merecem um castigo, mas o nosso encontro pode perdoá-los.
BEATRICE: Eu preciso agora ir à casa de Pantaleão! Quero te ver lá depois. Tchau! (sai)
ARLEQUIM: Ah, patrão! Eu estou apaixonado pela criada de Pantaleão! Me ajude!
FLORINDO: Vou ver o que posso fazer. (saem)
PANTALEÃO: Perdoe seu noivo. Ele ficou enlouquecido com sua perda.
SILVIO: Me perdoe, meu amor! Eu te amo!
CLARICE: (dá um sorriso) Eu também te amo! (Brighella entra)
PANTALEÃO: Muito bem, senhor Brighella. Disse que ela era o próprio Federico.
BRIGHELLA: Eles são parecidos e as roupas me confundiram. Mas ela veio pedir desculpas.
PANTALEÃO: Pois que entre. (Beatrice entra vestida de mulher.)
BEATRICE: Vim pedir desculpas pela confusão.
PANTALEÃO: Muito bem! Fiquei sabendo que tinha encontrado seu amado.
SMERALDINA: Só eu que não encontrei o meu! (Arlequim entra)
ARLEQUIM: Senhores! Vim anunciar que o senhor Florindo está aí fora querendo entrar. E você, minha boneca. Quer ser minha?
SMERALDINA: Quero! (Arlequim sai) Patroinha. Tem um rapaz interessado em mim.
CLARICE: Quem?
SMERALDINA: O criado de dona Beatrice.
CLARICE: Tudo bem. Então, pode ser dele. (Florindo entra.)
FLORINDO: Senhor Pantaleão! Quero que seja padrinho de nosso casamento!
PANTALEÃO: (juntando as mãos dos noivos) Então, que Deus os abençoe!
ARLEQUIM: Senhor Florindo! E o meu pedido?
FLORINDO: Senhor Pantaleão! Eu quero pedir a mão de sua criada para meu criado Arlequim.
CLARICE: Sinto muito! Mas acabei de dar a mão dela ao empregado de dona Beatrice.
FLORINDO: Então, eu peço desculpa. Retiro o pedido que eu fiz!
ARLEQUIM: Pronto! Fiquei sem mulher.
SMERALDINA: Fiquei sem marido.
ARLEQUIM: Eu posso resolver essa situação. O senhor não pediu a mão dela para seu criado? (Florindo concorda) E a senhora não deu a mão dela para o criado de dona Beatrice? (Clarice concorda) Então, você é minha.
PANTALEÃO: Por quê?
ARLEQUIM: Porque eu sou o criado de dona Beatrice e do senhor Florindo!
TODOS: Como?
FLORINDO: O meu empregado é o Arlequim. Quem era o seu criado?
BEATRICE: Ele. E o seu? (Beatrice aponta para Arlequim)
ARLEQUIM: Eu posso explicar. Eu servi aos dois ao mesmo tempo. Peço desculpas pela aventura e peço a mão de Smeraldina em casamento. 

PANTALEÃO: Então, que Deus abençoe a todos. (Música.)

Nenhum comentário:

Postar um comentário